4 exemplos de apoio às brincadeiras infantis em bairros de baixa renda | Caos Planejado (2024)

O Dia Internacional do Brincar, realizado anualmente em 11 de junho, é um momento global de união para celebrar o poder do brincar para todas as crianças em todos os lugares. O dia chama a atenção para o Artigo 31 da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito das crianças de terem brincadeiras, recreação, descanso e lazer apropriados para a idade. Esse dia pode atuar como um catalisador para ações que promovem esse direito, especialmente nas cidades, onde espaços seguros e estimulantes para brincar estão rapidamente desaparecendo.

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Brincar é fundamental para todas as crianças

Brincar não é algo superficial. Por meio do brincar, as crianças descobrem e entendem o mundo, criam laços com a família, amigos e a natureza, aprendem a valorizar a arte, cultura e tradições, e desenvolvem habilidades para a vida. Em resumo, brincar é fundamental para o desenvolvimento de indivíduos saudáveis, felizes e compassivos.

As crianças geralmente encontram uma maneira de brincar, mesmo nas situações menos favoráveis. No entanto, idealmente, as oportunidades de brincar deveriam estar próximas de casa, ser diversas, convidativas, seguras, embora desafiadoras, e permitir contato com a natureza e a situação espacial mais ampla.

Essas oportunidades e espaços para o brincar cotidiano estão desaparecendo em áreas urbanas devido à expansão das áreas construídas, pressionadas pela rápida urbanização. Em muitas cidades do Sul Global, ruas e vielas fora das casas, onde os cuidadores podem observar as crianças brincando, são ocupadas por veículos, lixo ou esgotos a céu aberto. Espaços verdes estão desaparecendo e são quase inexistentes nos bairros mais pobres, onde são mais necessários. Além disso, o fornecimento de brincadeiras nas cidades raramente vão além de playgrounds estáticos com equipamentos fixos.

Leia mais: Como criar cidades acessíveis para crianças

Então como podemos transformar nossas cidades para nutrir o brincar das crianças, especialmente no coração de bairros de baixa renda?

Entender onde e como as crianças brincam

Isso é crucial, pois os urbanistas continuam associando a provisão de espaços para brincar à criação de parques e playgrounds formais. No entanto, observar o brincar livre das crianças, particularmente em bairros de baixa renda, deixa claro que espaços liminares (espaços informais, remanescentes), geralmente não projetados para brincar, com abundância de partes soltas como areia, água, lama, galhos, pedras e outros materiais, podem ser vitais para garantir o direito das crianças ao brincar. Espaços liminares incluem pequenos espaços abertos ao redor de edifícios, terrenos vagos, ruas estreitas e becos, escadarias, terraços e soleiras.

Como parte de um projeto de pesquisa em ação, o Play@Khirkee, observei crianças brincando em Khirkee, Nova Deli. Devido ao seu status especial como uma vila urbana, as ruas estreitas e os espaços abertos livres de carros em Khirkee estão, em grande parte, protegidos e preservados.

As observações do brincar das crianças mostraram que:

  • Meninos, meninas, crianças mais novas e mais velhas brincavam todos os dias ao ar livre. Eles brincavam principalmente em espaços liminares usando partes soltas como folhas, galhos, pedras, areia e tesouros retirados de entulhos de construção, inventando jogos e regras.
  • Khirkee não tinha um único parque ou pracinha equipada. No entanto, as crianças idealizavam parques e pracinhas como os locais preferidos para brincar, apesar de passarem apenas uma fração do tempo ao ar livre nesses espaços. Na prática, porém, as crianças preferiam e brincavam de forma mais criativa em um parque que carecia de manutenção e, por extensão, de regras e restrições para brincar, em comparação a um parque maior, bem cuidado e dominado por regras.
  • O brincar fluía através de um sistema interconectado de grandes espaços verdes, ruas de pedestres, praças e pequenos parques. As crianças aproveitavam ao máximo essa disposição espacial; os meninos começavam a jogar esportes em grandes espaços abertos após a escola e, ao anoitecer, se espalhavam pelas ruas onde meninas e crianças mais novas já estavam brincando de jogos mais tradicionais. Tanto meninos quanto meninas participavam de jogos espontâneos de esconde-esconde usando as escadarias e terraços dos apartamentos próximos antes de finalmente entrarem no pequeno parque que servia como a sua sala de estar ao ar livre.
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Apesar da alegria e liberdade associadas ao brincar em Khirkee, algumas barreiras físicas e sociais para brincar também se tornaram evidentes através da observação do bairro. Estas incluíram:

  • A sinalização proibitiva em parques mais formais, restringindo o brincar na grama ou com quaisquer brinquedos ou equipamentos externos. Todas as noites, um membro da Associação de Bem-Estar dos Moradores circulava com um bastão grosso para afastar as crianças e garantir que os gramados bem cuidados e canteiros de flores fossem protegidos.
  • Adultos estão tomando os parques cercados para cultivar plantas e outras atividades, restringindo o brincar das crianças.
  • As crianças tinham medo de brincar em locais sujos e escuros ou onde adultos estavam bebendo e jogando.
  • Mulheres mais velhas impediam a entrada de crianças de castas inferiores nos parques locais.

O estudo destacou que as crianças são criativas e engenhosas ao esculpirem seus espaços e oportunidades de brincar. Mais do que projetar e construir parques e playgrounds para brincar, identificar, proteger e preservar espaços reivindicados pelas crianças para brincadeiras é vital para viabilizar o brincar nos bairros. Para que isso aconteça, é necessário envolver adultos em posições de autoridade e organizações comunitárias para defender e promover o direito de todas as crianças de brincar.

Exemplos de cocriação de ambientes de brincar no bairro

1. Uma solução de brincar móvel e temporária desenvolvida em Khirkee, Nova Deli

Khoj, a ONG local de artes que apoiou o estudo Play@Khirkee, me pediu para projetar um espaço de brincar inclusivo para as crianças. Tendo observado como as crianças brincavam, fiquei convencida de que criar outro parque não aumentaria as oportunidades de brincadeiras para as crianças.

Em vez disso, juntamente com meu colaborador Subrata Ghosh, decidi proteger, preservar e melhorar o brincar nos espaços de brincar existentes, envolvendo as crianças e a comunidade na cocriação de um sistema de brincar temporário chamado Play-on-Wheels (“brincar sobre rodas”). O sistema usa carrinhos de empurrar contendo várias oportunidades de brincar (além de ser um espaço de armazenamento para brinquedos e livros) que podem ser movimentados por ruas estreitas. Esse sistema permitiu que organizações locais configurassem ambientes de brincar temporários usando partes soltas em qualquer rua ou espaço aberto a qualquer momento.

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O Play-on-Wheels foi inicialmente testado em um bairro de baixa renda na cidade de Calcutá por uma ONG que trabalha com os direitos das crianças, e não em Khirkee, já que a vila carecia de organizações comunitárias que trabalhassem com crianças.

No entanto, o Play-on-Wheels enfrentou dificuldades para se manter como um recurso de longo prazo no bairro. Garantir um espaço de armazenamento seguro para os carrinhos e oferecer suporte contínuo às ONGs locais para gerenciar e manter a intervenção foi difícil. Em vez disso, o Play-on-Wheels está em operação hoje dentro do ambiente controlado de um lar para crianças HIV-positivas em Calcutá, que tem amplos espaços abertos, mas poucas oportunidades de brincar livremente.

2. Canal seco transformado em zona de brincar segura e ativa em Fresnillo, México

Na cidade de Fresnillo, no México, os arquitetos Alin W. Wallach e Rozana Montiel aproveitaram o Programa de Renovação e Revitalização de Habitações Sociais do México (PROCHURA) para transformar um canal de drenagem seco de meio quilômetro de extensão, que atravessa o coração de um desenvolvimento de habitação social de 40 anos, em uma zona de brincar segura e ativa.

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O programa PROCHURA envolveu escritórios de arquitetura para colaborarem com governos locais e comunidades no desenvolvimento e produção de soluções inovadoras, de baixo custo e localmente relevantes para espaços públicos e comunitários em bairros amplamente degradados.

Os arquitetos observaram as maneiras espontâneas como as crianças brincavam no canal de drenagem pavimentado – como deslizar pelos lados em tampas de latas de lixo – e decidiram manter e melhorar o canal como um espaço de brincar. Novos espaços para deslizar e assentos, uma ponte universalmente acessível, vegetação e outras oportunidades de brincar foram adicionados para revitalizar o espaço. Grupos comunitários ativaram o espaço com festivais e aulas em grupo para melhorar a vida social. O design inovador do ambiente de recreação e brincadeira, com materiais duráveis e fixos, facilita a manutenção e transforma um espaço liminar urbano.

3. O brincar em um assentamento informal em Dhaka, Bangladesh

O arquiteto paisagista e comunitário Khondaker Hasibul Kabir se uniu com os moradores de assentamentos informais na cocriação de projetos habitacionais e espaços públicos em Bangladesh. Uma de suas primeiras intervenções foi em Korail, um grande assentamento de favelas às margens do lago Banani em Dhaka. Kabir decidiu morar em Korail para entender melhor as necessidades da comunidade local. Em suas conversas com as crianças locais, ele descobriu que o que elas mais queriam era um espaço de brincar que pudessem reivindicar e chamar de seu.

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Isso levou à cocriação de uma plataforma elevada de bambu sobre o lago adjacente ao assentamento. As crianças foram as principais protagonistas, designers e negociadoras. Elas procuraram parentes, pais e avós – qualquer pessoa da comunidade que as ouvisse – para ajudar a construir a plataforma de bambu.

O espaço de brincar chamado Ashar Macha (em português, “Plataforma da Esperança”) foi construído pela comunidade. Ele se tornou um ponto central da comunidade, valorizado por crianças e mulheres, principalmente para brincar, socializar e descansar. As crianças e a comunidade assumiram a responsabilidade de gerenciar e manter o Ashar Macha. O sucesso da plataforma impulsionou outras mudanças na comunidade, como transformar espaços inutilizados em pequenos jardins e hortas.

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4. O brincar em interseções de ruas em Maputo, Moçambique

A UN-Habitat e parceiros em Maputo, Moçambique, envolveram crianças em processos de cocriação para melhorar a qualidade dos espaços públicos na cidade. Um local de intervenção foi identificado em um bairro que experimentava altas taxas de criminalidade e violência e carecia de serviços públicos adequados.

Caminhadas exploratórias com as crianças indicaram que os caminhos e estradas eram seus principais espaços de lazer. O local da intervenção era um espaço liminar no coração de uma interseção de três estradas não pavimentadas. A grande interseção de ruas foi cocriada com as crianças para incluir espaços de brincar, descanso, lazer e socialização.

Leia mais: A mobilidade urbana sob o olhar das crianças

A sustentabilidade da intervenção está embutida em sua abordagem participativa. As comunidades locais, incluindo crianças e associações da sociedade civil local que cocriaram os espaços, desempenham um papel ativo na manutenção e gestão deles.

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Os quatro exemplos da Índia, México, Bangladesh e Moçambique mostram que, apesar dos muitos desafios da rápida urbanização e do aumento da desigualdade, as crianças reivindicam diversos lugares no espaço público para brincar fora de parques e playgrounds formais. Os exemplos defendem fortemente o respeito aos direitos das crianças brincarem e o engajamento delas na reconceitualização dos espaços públicos para proteger, preservar e promover o brincar nas cidades. Os espaços liminares nos bairros e cidades devem ser vistos como territórios vibrantes das crianças, onde algumas das mais ricas experiências de brincar são cultivadas, e onde promover o brincar das crianças fortalece o direito delas à cidade.

Sudeshna Chatterjee é Diretora de Programas de Cidades Sustentáveis e Transporte no Ross Center for Sustainable Cities, do WRI Índia.

Artigo originalmente publicado em Global Alliance – Cities4Children e The City Fix, em junho de 2024.

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